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Responsabilização solidária na Lei Anticorrupção exige atenção de SPEs e Consórcios

Rafael Roque Garofano

Um dos dispositivos da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13) tem despertado cada vez mais a atenção do mercado empresarial ao prever a responsabilidade objetiva e solidária entre as empresas consorciadas pela prática de atos considerados lesivos à administração pública. A hipótese vem prevista no parágrafo segundo do artigo 4º da referida Lei, nos seguintes termos: “As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado”.

É bastante comum no cenário de negócios a associação de empresas para a participação conjunta em empreendimentos sob a forma de consórcios ou Sociedades de Propósito Específico (as conhecidas “SPEs”). A nova lei exige uma maior atenção na formatação desse tipo de parceria, na medida em que uma das empresas consorciadas pode responder por atos contra a administração pública praticados por funcionários da outra consorciada, em regime de solidariedade jurídica, podendo vir a ser condenada no pagamento de penalidades milionárias e na reparação dos prejuízos comprovadamente causados, mesmo sem ter concorrido para a prática do ato considerado ilegal. Ou seja, o problema é agravado justamente pela combinação da responsabilidade solidária (art. 4º, §2º) com a regra da responsabilidade objetiva (arts. 1º e 2º), que pode resultar na punição de uma organização empresarial apenas pelo fato de fazer parte de um consórcio firmado com outra empresa que eventualmente tenha praticado conduta vedada pela Lei, não havendo necessidade de comprovação da culpa da consorciada, nem mesmo da culpa da empresa que praticou a irregularidade.

Por isso, é importante a efetiva regulação contratual das regras de conduta a serem observadas pelas partes no âmbito da parceria. Além da estruturação de programas internos de compliance, é essencial, por exemplo, regular no instrumento de consórcio qual código de conduta — de qual consorciada — deverá ser observado no âmbito das atividades do consórcio, indicando quais dispositivos devem prevalecer na relação entre as consorciadas, de modo a evitar a situação de conflito entre programas de integridade vigentes em cada organização empresarial. Além disso, é essencial que o instrumento de consórcio estabeleça mecanismos de reparação dos danos suportados por uma das consorciadas em virtude de atos praticados no âmbito da parceria que sejam considerados lesivos à Administração Pública, estabelecendo limites à indenização e o direito de regresso da consorciada inocente em face da que praticou o ato considerado ilegal.

Isso tudo deve ser objeto de regulação expressa no instrumento de constituição do consórcio empresarial, sob pena de criar conflitos que podem (a) gerar a responsabilização em caráter solidário de uma das empresas pela prática de atos ilícitos cometidos pela outra consorciada, sem a correspondente proteção do direito de regresso ou de reparação dos danos em face do parceiro comercial; (b) ou podem mesmo inviabilizar a aplicação dos benefícios legais de atenuação de eventual penalidade, caso o instrumento de consórcio, por exemplo, deixe de regular de maneira suficientemente clara qual código de conduta (de qual consorciada) deverá prevalecer no âmbito do consórcio. Todos esses cuidados contratuais, por óbvio, não eliminam cautelas mais básicas que começam já na elaboração das normas internas de compliance — as quais devem considerar a hipótese de associação empresarial — e na própria escolha do consorciado ou sócio, a partir da verificação do histórico de atuação e da efetiva aplicação de programas de integridade pela organização parceira, elementos primordiais na prevenção da responsabilização objetiva e solidária da pessoa jurídica consorciada prevista na Lei Anticorrupção.

Rafael Roque Garofano é advogado, associado-fundador do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial – IBDEE.