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Compliance no Brasil e suas origens

Por André Almeida Rodrigues Martinez

Com o advento da Lei no 12.846, de 2013 (Lei Anticorrupção), a palavra da língua inglesa compliance – conformidade, em português – parece ter sido inserida definitivamente no vocabulário dos empresários brasileiros.

Isto porque a lei, ao tratar da aplicação das sanções administrativas e judiciais em relação às pessoas jurídicas, trouxe a possibilidade da concessão de benefício às empresas que possuem área de compliance devidamente estruturada, como veremos adiante.

Vale lembrar que se dá o nome de compliance ao conjunto de mecanismos e procedimentos voltados à proteção da integridade e da ética da empresa, com o incentivo institucional à denúncia de irregularidades para apuração e punição.

O que não havia antes de 2014 são os benefícios que podem ser obtidos com a implementação de uma cultura de ética e de controles internos

Ocorre que o conceito do que podemos chamar de uma cultura de compliance não é novo entre nós, como podem pensar alguns.

No Brasil, desde 09/1998, com a publicação da Resolução no 2.554 do Banco Central do Brasil (Bacen), incorporaram-se aqui as regras trazidas da Europa (Comitê da Basiléia para Supervisão Bancária, 1975), e dos Estados Unidos da América (SEC – Securities and Exchange Commission, 1934), onde já existia a filosofia compliance.

Pouco antes, em 1997 o Comitê da Basiléia, do qual o Brasil participa, havia lançado princípios para uma “supervisão bancária eficaz” (Core Principles for Effective Banking Supervision), os quais deveriam ser aplicados por todos os integrantes daquele órgão de cooperação e supervisão bancária internacional.

E em 03/1998 fora publicada no Brasil a Lei no 9.613/98, conhecida como a Lei de Combate aos Crimes de “Lavagem” de Dinheiro.

Além da sua importância penal, a nova lei cuidou de criar entre nós o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – órgão da administração pública federal, no âmbito do Ministério da Fazenda, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas.

Na Lei no 9.613/98 e nos princípios do Comitê da Basiléia podemos encontrar, portanto, a gênese da Resolução no 2.554/98, que obrigou os bancos brasileiros a criar estruturas e mecanismos efetivos de controles internos e de riscos.

No campo prático, o cumprimento das obrigações impostas na resolução mostrou-se uma tarefa desafiadora.

Num primeiro momento (anos 1999/2000), as instituições financeiras foram obrigadas a criar em seus organogramas áreas específicas de compliance, capacitando os responsáveis por referidas áreas.

Foram elaborados então códigos de ética, cartilhas de conduta no atendimento aos clientes, treinamentos em agências, análise matricial de riscos operacionais e de mercado, entre outras tarefas.

Sem falar na inauguração de uma nova era cultural sempre voltada para a ética e para a completa atenção à conformidade de todos os atos e contratos às leis e demais normas aplicáveis ao ramo de atividade financeira.

Tem-se, pois, que o conceito, a noção e mesmo a existência da área específica de compliance no sistema financeiro brasileiro ocorreu 14 anos antes da entrada em vigor da Lei Anticorrupção. Portanto, nada de novo no conceito de compliance hoje se observa, ainda que agora aplicado a um leque muito mais vasto atividades e com técnicas mais novas.

Também outras empresas, fora do segmento financeiro, foram paulatinamente incorporando em suas estruturas pessoas responsáveis pelo compliance, mesmo antes da Lei no 12.846/13.

O que não havia antes de 2014 em relação ao compliance, e isto sim vem com razão despertando o interesse do empresariado brasileiro, são os benefícios que podem ser obtidos com a implementação daquela cultura ética e de controles internos (pois as sanções poderão ser menores se a empresa estiver cumprindo aquele novo paradigma de comportamento).

Está prevista na Lei Anticorrupção uma espécie de análise da conduta social e da “personalidade” da empresa, método que o legislador de 2013 optou em quase simetria ao sistema de aplicação de sanções do art. 59 do Código Penal.

Dito de outra forma, quanto mais ética e em conformidade às leis e regulamentos estiver de fato a empresa, menor poderá ser a sanção a ela imposta.

Ademais, aliado ao fator legislativo, contribuíram para a expansão do compliance, infelizmente, os escândalos ético/políticos pelos quais o Brasil vem atravessando.

Leia- se aqui, sobretudo, operação Lava-jato, dentre outras conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, sob o crivo do Judiciário.

Como consequência, estamos experimentando o bem-vindo aumento em progressão geométrica da implantação das áreas de compliance nas empresas brasileiras.

Mas não se trata de uma novidade conceitual, uma vez que a cultura de compliance já existe oficialmente no Brasil há anos.

André Almeida Rodrigues Martinez é procurador da Fazenda Nacional, ex- superintendente de compliance do Banco Itaú, bacharel em direito pela USP, com especialização em direito empresarial (PUC-SP) e em direito constitucional (Unisul)

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