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A insegurança nos acordos de leniência

POR CESAR CAPUTO*

No Brasil contemporâneo, enfeitado de notícias de corrupção em todas as esferas de governo, as instituições de fiscalização e controle têm o hábito de punir exemplarmente qualquer um que, por qualquer motivo, caia em suas teias. Nesse contexto, muito vem a calhar a edição da Medida Provisória 703, de 18/12/2015, publicada no Diário Oficial da União em 21/12/2015. Não são raras as vezes em que uma empresa investigada por atos ilícitos recolhe fortunas em multas para diferentes órgãos fiscalizadores tais como: indenizações ou reparação em Ações Civis Públicas, multa nas ações por improbidade, multas e indenizações devido aos órgãos reguladores…E por aí vai!

Nesse cenário, a insegurança por parte daqueles que se veem no papel de assinar ou não um acordo de leniência é gritante. Geralmente, optam por protelar ao máximo tais punições. Isso porque não têm a garantia de que, ao assinar um acordo, a coisa acabará, a punição será imposta e seguirá a vida. A esperança é que, após realizados os trâmites e pagas as multas e cumpridas as sanções previstas no acordo, estará quite com a Justiça. Essa certeza não existe!

A Lei 12.846/2013, denominada Lei Anticorrupção, teve sua publicação realizada nas borbulhantes manifestações de 2013. A lei inovou ao possibilitar negociações entre os órgãos de fiscalização e as empresas envolvidas em condutas vedadas legalmente. Nesse sentido, foi formulado o seguinte artigo:

“Art. 16. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão, no âmbito de suas competências, por meio de seus órgãos de controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público ou com a Advocacia Pública, celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos e pelos fatos investigados e previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo, de forma que dessa colaboração resulte:
I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber;
II – a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação;
III – a cooperação da pessoa jurídica com as investigações, em face de sua responsabilidade objetiva; e
IV – o comprometimento da pessoa jurídica na implementação ou na melhoria de mecanismos internos de integridade.

Como o referido diploma legal nasceu como resposta à agitação popular, alguns pontos ficaram confusos, outros continham dúvidas e outros ainda eram omissos. Agora, quase três anos depois, a MP 703 vem como complemento da Lei Anticorrupção, trazendo mais segurança ao empresariado privado, fortalecendo a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e possibilitando a efetiva participação do Ministério Público desde o início do PAR (processo administrativos de responsabilidade). Senão vejamos:

“Art. 15. A comissão designada para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica, após a instauração do processo administrativo, dará conhecimento ao Ministério Público de sua existência, para apuração de eventuais delitos.” (NR)

Como outras inovações, às vezes um tanto polêmicas, têm-se os seguintes pontos abaixo:

*Possibilidade de prefeitos e governadores de assinar acordos de leniência juntos com as advocacias públicas e o Ministério Público, quando não existir órgãos de controle interno.
*Redução do potencial de punição dos Tribunais de Contas, visto a impossibilidade de declarar uma empresa que assina um acordo de leniência inidônea. E ainda: impossibilidade também que a mesma seja proibida de contratar com o poder público. Os dispositivos abaixo prevêem:

“Art. 17. A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável por atos e fatos investigados previstos em normas de licitações e contratos administrativos com vistas à isenção ou à atenuação das sanções restritivas ou impeditivas ao direito de licitar e contratar.” (NR)

“Art. 17-A. Os processos administrativos referentes a licitações e contratos em curso em outros órgãos ou entidades que versem sobre o mesmo objeto do acordo de leniência deverão, com a celebração deste, ser sobrestados e, posteriormente, arquivados, em caso de cumprimento integral do acordo pela pessoa jurídica.” (NR)

Percebe-se que isso não significa que os Tribunais de Contas não poderão, posteriormente, analisar as condutas dos agentes envolvidos.

*Isenção total da multa para a empresa que primeiro assinar o acordo de leniência, visto que na Lei Anticorrupção era somente de 2/3.

*Impossibilidade do ajuizamento de medidas judiciais para punições mais pesadas após a assinatura do acordo de leniência, quando o mesmo for assinado com a participação da advocacia pública.

No sentido do que fora exposto acima, vale observar:

“Art. 16. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão, no âmbito de suas competências, por meio de seus órgãos de controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público ou com a Advocacia Pública, celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos e pelos fatos investigados e previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo, de forma que dessa colaboração resulte:
§ 2º O acordo de leniência celebrado pela autoridade administrativa:
I – isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do caput do art. 6º e das sanções restritivas ao direito de licitar e contratar previstas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e em outras normas que tratam de licitações e contratos;
II – poderá reduzir a multa prevista no inciso I do caput do art. 6º em até dois terços, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza pecuniária decorrente das infrações especificadas no acordo; e
III – no caso de a pessoa jurídica ser a primeira a firmar o acordo de leniência sobre os atos e fatos investigados, a redução poderá chegar até a sua completa remissão, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza pecuniária decorrente das infrações especificadas no acordo.

*Possibilidade de assinatura do acordo de leniência mesmo quando as medidas judiciais já tenham sido adotadas:

“Art. 18. Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial, exceto quando expressamente previsto na celebração de acordo de leniência, observado o disposto no § 11, no § 12 e no § 13 do art. 16. ” (NR)

“Art. 20. ……………………………………………………………
Parágrafo único. A proposta do acordo de leniência poderá ser feita mesmo após eventual ajuizamento das ações cabíveis. ” (NR)

Os mais céticos já iniciaram suas cavalgadas no sentido de desconstruir a MP 703, alegando inconstitucionalidade, abusos de toda ordem, mas que no fim não deverão prevalecer.

A Medida Provisória 703 traz, em suas letras, mais que simples disposições de efeitos legais. Traz a esperança de ajudar o Brasil a iniciar a recuperação econômica. Isso porque viabilizará que as empresas envolvidas em escândalos nacionais possam voltar a contratar com o poder público ou até mesmo retomar seus contratos, viabilizando dessa forma o recolhimento de impostos, a manutenção de empregos e a retomada da economia em todo o território nacional.

*Cesar Caputo, advogado criminalista associado ao escritório Nelson Wilians e Advogados Associados